Zinco, Imunidade, Nutrição e Exercício

Artigo de revisão sobre a importância do zinco sobre o sistema imune afetado pelo exercício intenso.


Estudos têm observado os efeitos do exercício e do treinamento sobre o sistema imune de atletas de elite, os quais apresentam grande incidência de infecções durante períodos de treinamento intenso e prolongado. Os mecanismos fisiológicos responsáveis pelas alterações sobre o sistema imune induzido pelo exercício são influenciados pelo aumento da concentração de catecolaminas e glicocorticóides no plasma. O exercício tem grande efeito sobre o metabolismo de zinco, através da mobilização dos estoques corporais e da excreção aumentada desse mineral, fato que pode influenciar o sistema imunológico que é dependente de zinco, sendo este um co-fator de mais de 300 enzimas. Atletas que restringem ingestão dietética podem exacerbar os efeitos do exercício sobre a homeostase de zinco. A suplementação pode ser benéfica em situações de exercício intenso e prolongado. Porém, dosagens elevadas, acima das recomendadas internacionalmente – Dietary Reference Intakes (DRI) – têm acarretado efeitos adversos. Poucos estudos têm verificado os efeitos da suplementação de zinco sobre o sistema imunológico de atletas. Este trabalho de revisão tem por objetivo destacar a importância biológica e nutricional do zinco sobre o sistema imune afetado pelo exercício intenso.


Zinco e o sistema imune


Nos últimos 25 anos, têm avançado os estudos sobre as funções do zinco, que desempenha várias funções biológicas (Shankar e Prasad, 1998). Ele é co-fator de mais de 300 enzimas (shankar e Prasad,
1998) necessárias para o crescimento e desenvolvimento normais, síntese de DNA, imunidade, funções neurosensoriais e antioxidantes, além de outros processos celulares importantes (Wood, 2000).
Nas duas últimas décadas, diversos estudos evidenciaram os efeitos do zinco sobre a função imune, resistência a doenças e melhoria da saúde (Pedersen e Toft, 2000; Cordova e Alvarez-Mon, 1995;
Shankar e Prasad, 1998) Várias doenças associadas à resposta imune são caracterizadas pela hipozincemia ou por sua deficiência marginal (Rink e Kirchner, 2000). Em indivíduos hipozincêmicos foram observadas depressão na imunidade, alteração no paladar e no olfato, diminuição da memória e espermatogênese prejudicada (Zalewski, 1996). O zinco exerce efeito direto na produção, maturação e função dos leucócitos (Mocchegiani et al., 2000). A influência do zinco sobre o sistema imune foi demonstrada a partir de estudos com ratos deficientes em zinco, o que levou à redução dos níveis do hormônio tímico, a timulina (Fraker, 1978). O zinco afeta o sistema imune através de diferentes mecanismos, pois exerce papel extenso sobre a estabilidade da membrana dos linfócitos, assim como sobre diferentes enzimas. Influi diretamente sobre as células imunes, aumentando a atividade das enzimas DNA e RNA poli-merase, que são requeridas para replicação e transcrição de DNA, além
da timidina quinase e ornitina descarboxilase. Na membrana dos linfócitos também existem enzimas dependentes de zinco, tais como nucleosídeo fosforilase e proteína C quinase. O zinco mantém a estabilidade da membrana celular, competindo com os grupamentos tiol, prevenindo a lesão
peroxidativa, protegendo a célula do estresse oxidativo induzido pelas citocinas no processo pró-inflamatório (Mocchegiani et al., 2000; Koury e Donangelo, 2003). No sistema complemento, as células fagocíticas (neutrófilos e macrófagos) e as células natural killer, constituem a primeira
linha de defesa do corpo e são conhecidos como “resposta imune celular não-específica” (Bonham et al., 2002). Esses mediadores são afetados pelo zinco durante sua deficiência em animais e humanos (Fraker, 1978; Singh et al., 1993). A “resposta imune celular específica” inclui o sistema de linfócitos T e B. Estas células são responsáveis pela síntese de anticorpos, pelo estabelecimento de resistência ao microorganismo invasor e morte dos microorganismos (Bonham et al., 2002). Prasad (1998) demonstrou que a função das células T foi afetada em humanos com deficiência moderada de zinco.
As funções dos linfócitos T, tais como hipersensibilidade retardada e atividade citotóxica, são suprimidas durante a deficiência de zinco, mas restauradas pela suplementação (Chandra, 1990). A participação do zinco na resposta imune celular específica é realizada através do seu papel na expansão clonal de linfócitos (Shankar e Prasad, 1998), pela inibição da apoptose (Zalewski, 1996) e pela manutenção da integridade da membrana celular, através da ligação do zinco ao grupamento tiol (King e Keen, 2003).

Exercício e imunidade


Evidências epidemiológicas sustentam a idéia de que o exercício regular aumenta a resistência às infecções, porém o treinamento intenso está associado ao aumento de infecções no trato respiratório
(Nieman e Pedersen, 1999). O exercício extenuante induz à diminuição na concentração de linfócitos, o que prejudica a imunidade natural. Além disso, são encontrados baixos níveis de imunoglobulina A na
saliva (Zalewski, 1996). Os mecanismos associados ao exercício que induzem alterações imunes são
multifatoriais e incluem fatores neuroendócrinos, tais como a adrenalina, a noradrenalina, o hormônio de crescimento e o cortisol (Nieman e Pedersen, 1999). Exercício intenso com VO2 máximo acima de 60%, geralmente ativa os sistemas endócrinos simpático-adrenal e pituitárioadrenocortical, acarretando aumento dos hormônios imunomodulatórios no plasma (Zalewski, 1996). A adrenalina e, em menor grau, a noradrenalina, são responsáveis pelo efeito do exercício agudo na dinâmica e função dos linfócitos, incluindo efeitos na atividade de células natural killer (Nieman e Pedersen, 1999).
As alterações na distribuição e função das células imunes em resposta ao exercício agudo são moderadas e transitórias, sendo restauradas em poucas horas. Nieman et al. (1991) demonstraram a associação entre 6 a 15 semanas de caminhada com: a presença de sintomas de infecção
no trato respiratório por poucos dias, o aumento da atividade de células natural killer e elevação dos níveis de imunoglobulina sérica. Esses resultados confirmam o fato de o exercício moderado ter efeito benéfico sobre a imunidade.  Zinco, imunidade, nutrição e exercício  CERES; 2006; 1(1); 9-18 1 3
Após exercício extenuante, a quantidade de linfócitos declina para níveis inferiores aos basais, enquanto que a concentração de neutrófilos aumenta e os níveis de imunoglobulina A reduzem. Há um aumento acentuado em citocinas pro-inflamatórias e antiinflamatórias. Todos esses fatores levam à resposta inflamatória durante exercício extenuante (Pedersen e Toft, 2000). Peters e Bateman (1983) estudaram 150 corredores de ultramaratona e demonstraram que a incidência de infecção respiratória nos primeiros 14 dias foi significativamente maior naqueles corredores que tiveram um programa de treinamento pré-corrida mais intenso e correram por mais tempo. Nieman et al. (1990) estudaram 2.311
corredores, de ambos os gêneros, que participaram da Maratona de Los Angeles (1990). Os resultados demonstraram que os corredores que percorreram longa distância (> 97 Km por semana) apresentaram maior risco de infecções do que aqueles que correram quilometragem inferior (< 32 Km por semana). Verde et al. (1992) demonstraram que, após três semanas de treinamento pesado, corredores apresentaram reduzida habilidade de resposta dos linfócitos. A partir das observações realizadas por
diferentes autores, pode-se afirmar que o exercício físico extenuante é capaz de prejudicar o sistema imune, enquanto que exercício moderado e freqüente pode melhorar o quadro imunológico.

Zinco, exercício e nutrição


O zinco é distribuído por todo o organismo, sendo que 85% estão no músculo
esquelético e ossos e 0,1% no plasma. Em humanos, a concentração plasmática de zinco é mantida sem alterações notáveis quando a ingestão é restrita ou aumentada, diferentemente do que ocorre em casos de deficiência grave e prolongada (King e Keen, 2003).
Estados brandos a marginais de deficiência são dificilmente detectados, pois não são observados aspectos clínicos específicos da depleção de zinco (King e Keen,2003). Atletas que restringem ingestão dietética global e conseqüentemente, zinco dietético, podem exacerbar os efeitos do exercício sobre o estado nutricional deste mineral. Reduzida ingestão dietética de
zinco combinada com grande desprendimento de energia em indivíduos envolvidos em atividade física pode resultar em maior susceptibilidade à deficiência de zinco (Ganapathy e Volpe, 1999). A mobilização dos estoques de zinco corporal ocorre em condições de estresse, tais como infecção, nflamação e exercício intenso de longa duração (Cordova e Alvarez-Mon, 1995; ANDERSON et al.,1984; Koury e Donangelo, 2003; Koury et al., 2004). Bordin et al. (1993) demonstraram aumento nas concentrações de zinco plasmático após exercício; Anderson et al.(1995) não observaram alterações imediatamente após o exercício, mas o efeito foi notado várias horas após o exercício.
 CERES: NUTRIÇÃO & SAÚDE1 4 CERES; 2006; 1(1); 9-18 Córdova e Alvarez-Mon (1995) demonstraram que a concentração plasmática de zinco foi significativamente aumentada durante exercício extenuante em ratos. A
magnitude do aumento dos níveis plasmáticos de zinco seguido de exercício
intenso não deve ser considerada uma simples conseqüência da hemoconcentração.
O aumento do zinco plasmático também pode ser resultado do catabolismo muscular com liberação de zinco no fluido extracelular (Cordova e Alvarez-Mon, 1995; Koury et al., 2004). A depleção de zinco pode ocorrer em
atletas, já que o treinamento intenso aumenta a perda de zinco pelo suor e pela urina (Anderson et al., 1984). Singh et al. (1993) verificaram que corredores têm menor nível de zinco plasmático do que sedentários. A intensidade e duração do exercício influenciam na quantidade de zinco no suor. A excreção aumentada de zinco pelo suor durante o exercício coincide com a redução moderada do zinco circulante e pode ser interpretada como
redistribuição de zinco corporal (Ganapathy e Volpe, 1999; Koury et al.,
2004). O aumento do catabolismo muscular observado em atletas treinados por longo período pode estar associado a um aumento das perdas urinárias, já que a quantidade de zinco excretada na urina é significativamente correlacionada com o volume urinário e a excreção de creatinina
(Ganapathy e Volpe, 1999). Alteração na concentração de zinco plasmático e sua relação com marcadores da função imune, em atletas, ainda não foram verificadas em estudos longitudinais (Peake et al., 2003) A suplementação de zinco tem sido recomendada para restaurar a função imune em humanos (Shankar e Prasad, 1998). Porém, poucos estudos relacionam a suplementação de zinco com a resposta imune em atletas (Shankar e Prasad, 1998; Peake et al., 2003; Chandra, 1984). O zinco é amplamente encontrado em alimentos de origem animal, ligado às proteínas. Nozes e leguminosas são consideradas fontes relativamente boas de zinco, cereais são fontes pobres deste mineral. A
recomendação dietética diária de zinco para adultos é de 8 mg.d-1 para mulheres e 11 mg.d-1 para homens. Os níveis de ingestão toleráveis para adultos são de 40 mg.d-1, valor baseado na redução da atividade da enzima cobre-zinco superóxido dismutase (Institute of Medicine, 2001). A
dosagem para reverter deficiência de zinco deve ser adaptada às recomendações atuais, para evitar efeitos negativos sobre o sistema imune (Rink e Kirchner, 2000). Koury et al. (2004), estudando atletas de elite de diferentes modalidades esportivas (corredores de curta e longa distancia, triatletas e nadadores) observaram consumo médio adequado de zinco e cobre e não encontraram sinais de inflamação através da contagem de leucócitos. No mesmo estudo, foram encontradas relações negativas entre zinco plasmático com contagem de leucócitos (r= - 0,50; r<0,01) e basófilos
(r= - 0,77;r=<0,01), demonstrando a pos-  Zinco, imunidade, nutrição e exercício  CERES; 2006; 1(1); 9-18 1 5 sível a mobilização de zinco plasmático
para síntese celular (resultados não publicados). O exercício físico pode induzir a hipozincemia, aumentando a necessidade diária de zinco (Ganapathy e Volpe, 1999), porém a ingestão excessiva de zinco tem sido causa de efeitos adversos (Bonham et al., 2002). Koury et al. (2003) demonstraram em um nadador de elite aumento significativo na atividade da enzima cobrezinco superóxido dismutase, concentração da metalotioneína e zinco nos eritrócitos
após sete meses de suplementação com 22 mg de gluconato de zinco e ingestão dietética de 20 mg.d-1. Embora, os indicadores de zinco tenham sido afetados pela suplementação, não foram observadas alterações na contagem de leucócitos (resultados não publicados). Ficou demonstrado que a suplementação com gluconato de zinco (22 mg) é capaz de alterar os indicadores de proteção antioxidante zinco-dependente dos eritrócitos, mas não altera o perfil imunológico. As metaloproteínas,
cobre-zinco superóxido dismutase e metalotioneína são sensíveis ao impacto gerado durante o movimento (Koury et al., 2003), fato que sugere que atletas de modalidades de elevado impacto, como corrida e triatlo, podem apresentar maior necessidade de suplementação de zinco do que atletas de modalidades de baixo impacto, como natação, ciclismo, entre outras. A principal conseqüência da ingestão elevada de zinco (50 mg) em longo prazo
é a indução de deficiência secundária de cobre causada pela competição entre esses elementos-traço durante a absorção intestinal. A alta ingestão de zinco induz síntese de metalotioneína na célula mucosa, a qual seqüestra cobre, tornando-o indisponível para transferência serosa, e assim diminui a absorção do cobre (Chandra, 1990; Koury e Donangelo, 2003). Este metal parece ser também essencial para a manutenção da função imune, já que marcadores imunológicos específicos são alterados na deficiência de cobre. A importância de sua deficiência sobre o sistema imune é similar à influência imunossupressora da deficiência marginal e moderada de outros elementos, tais como ferro e zinco (Bonham et al., 2002).
O consumo em longo prazo de suplementos de zinco excedendo 150 mg.d-1
resultou em baixas concentrações séricas de HDL-colesterol, erosão gástrica e função imune deprimida (Fosmire, 1990). Chandra (1984) demonstrou que a ingestão de 300 mg.d-1 de zinco suplementar por seis semanas causou resposta imune prejudicada, bem como um decréscimo significativo na concentração de HDLcolesterol. A suplementação de zinco na dosagem inferior a 50 mg.d-1 não resultou em deficiência de cobre e não afetou o
metabolismo lipoprotéico (Hackman e Keen, 1986). Peake et al. (2003) estudaram a relação entre concentração de zinco plasmático, quantidade de leucócitos e proliferação de linfócitos em corredores durante o período de treinamento intensivo por quatro  CERES: NUTRIÇÃO & SAÚDE 1 6 CERES; 2006; 1(1); 9-18 semanas e demonstraram que os atletas apresentaram concentração de zinco plasmático significativamente menor do que os não-atletas. No entanto, a concentração de zinco plasmático foi inalterada
em resposta ao treinamento aumentado, mantendo fraca correlação com os marcadores do sistema imune. Este fato pode ser explicado pela ausência de deficiência de zinco e possivelmente por esta razão, a proliferação e formação das células imunes não foram afetadas. Além disso, o aumento do volume do exercício pode ter sido inadequado para afetar o metabolismo de zinco e das células imunes.  Bonham et al. (2003) investigaram o efeito da suplementação de 30 mg.d-1 de zinco por 14 semanas e de 3 mg.d-1 de cobre por
oito semanas sobre o sistema imune de homens adultos saudáveis e não verificaram efeitos adversos sobre a contagem de leucócitos, a subsérie de linfócitos, a atividade da ceruloplasmina oxidase, a concentração da ceruloplasmina sérica e a atividade da cobre-zinco superóxido dismutase. Demonstraram, assim, que a razão zinco:cobre utilizada na suplementação
não alterou o estado nutricional de cobre. Analisados em conjunto, os estudos
demonstram a importância da utilização de doses adequadas de zinco para evitar conseqüências indesejáveis, principalmente sobre o sistema imune e metabolismo de outros elementos-traço importantes para manutenção do condicionamento físico e da saúde.

Conclusão


O zinco tem papel essencial na manutenção da imuno-resistência através de
mecanismos diretos e indiretos, que foram demonstrados principalmente a partir de estudos em animais e humanos hipozincêmicos ou com deficiência marginal de zinco. Em condições de estresse, como promovido pelo exercício físico intenso, ocorrem alterações na concentração de zinco plasmático, o que não pode ser interpretado como deficiência nutricional de zinco. A suplementação de zinco pode ser benéfica em situações de treinamento
intenso e prolongado, com o objetivo de minimizar os efeitos do exercício. No entanto, a suplementação deve ser bem supervisionada e não podem ser recomendadas doses excessivas (acima de 40 mg.d1) por período prolongado, o que tem acarretado efeitos adversos sobre a imunidade, o estado de cobre e o metabolismo de lipoproteína de alta densidade, prejudicando o desempenho físico e a qualidade de vida de atletas.



Artigo: Zinc, Immunity, Nutrition and Exercise
Patrícia Mendes Peres1 , Josely Correa Koury2 1- Nutricionista. Instituto de Nutrição, Curso de Especialização em Nutrição e Atividade Física – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2- Professora Adjunta. Instituto de Nutrição, Departamento de Nutrição Básica e Experimental – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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